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segunda-feira, 12 de abril de 2010

‘Lancha-cadeia’ vai levar turistas

Lancha Tenente Loretti, que serviu ao Presídio da Ilha Grande, será reformada


Uma embarcação centenária que marcou a História da Baía da Ilha Grande está perto de voltar a singrar suas águas — e numa missão muito mais nobre que a original. A lancha Tenente Moretti, construída em 1910, carregou por várias décadas condenados a cumprir pena no temido Instituto Penal Cândido Mendes. Agora, será reformada pela Prefeitura de Angra dos Reis para transportar turistas pelas ilhas paradisíacas. Com o motor parado, ela está ancorada.

A lancha Tenente Moretti carregou por várias décadas condenados a cumprir pena no temido presídio da Ilha Grande
Foto: Reprodução

“É como se a lancha fosse minha filha. Ela tem de retornar ao mar! Tenho certeza de que será de grande utilidade ainda por muitos anos”, atesta Constantino Kocotoz, 76, que está há seis décadas à frente do leme da Tenente Moretti. Ele já perdeu a conta de quantas vezes cruzou a baía. A maioria, garante, foi a serviço da Justiça, com presos trancafiados nos porões da embarcação.

O vice-prefeito de Angra, Essiomar Gomes, garante que a lancha voltará às atividades muito em breve e que, além de fazer passeios pela baía, o barco será muito útil nos nos procedimentos emergenciais.

Reforma há seis anos
Em 2004, o Corpo de Bombeiros gastou R$ 40 mil numa reforma emergencial e usava a Loretti em salvamentos. Agora, a lancha também estará à disposição da prefeitura.

A lancha não apenas serviu de ‘camburão’ para transportar presos. A embarcação também foi fundamental para a construção do presídio, na década de 1930 — quando passou da Marinha de Guerra, que a construiu na Praça Mauá, para o Ministério da Justiça.

Quando o Cândido Mendes estava a pleno vapor, a Tenente Moretti saía diariamente do Cais de Mangaratiba e gastava duas horas e meia numa lenta e nauseante viagem até a Ilha Grande. Era necessário ter estômago forte para não enjoar com o balançar das ondas.

A travessia também era tensa. No porão, onde os presos ficavam, soldados da Polícia Militar armados de fuzis e metralhadoras faziam a escolta. No convés, outros policiais não tiravam os olhos da água, atentos para qualquer aproximação suspeita — havia o temor de haver tentativa de resgate.

‘Tripulação’ ilustre a bordo
Criminosos que aterrorizaram o Rio na primeira metade do século passado, Carne Seca e Madame Satã viajaram várias vezes na Tenente Loretti. Presos políticos, como o escritor Graciliano Ramos, o jornalista Fernando Gabeira e o compositor Carlos Imperial, também cruzaram a Baía da Ilha Grande no porão da lancha rumo ao presídio, no auge da ditadura militar.

Contraventores do jogo do bicho, comerciantes acusados de fraude, taxistas desonestos e até prostitutas — alvo do presidente Dutra — foram outros ‘tripulantes’.

POR BARTOLOMEU BRITO - O Dia Online